03/05/2007

Religião

Abordar a experiência religiosa exige-nos uma prévia distinção entre o fenómeno religioso, ou seja, a manifestação objectiva da religião, e a experiência religiosa, isto é, o seu carácter subjectivo. Não podendo confundir as instituições, as igrejas, as seitas, com a fé propriamente dita. “A fé é justamente aquele paradoxo segundo o qual o indivíduo se encontra (…) numa relação absoluta com o absoluto”.
Só evitando esta confusão nos acharemos aptos a analisar com sentido crítico e tolerante toda a dimensão religiosa. Criticar determinadas orientações sociais de uma religião não significa pôr em causa a mensagem de fé em que tal religião se baseia.
Condenar, por exemplo, a Inquisição ou a Guerra Santa não é anular os valores do Cristianismo ou do Islamismo. Da mesma forma que defender tais valores não significa legitimar aquelas práticas.
Reflectir em torno do fenómeno e da vivência da religião é uma tarefa da filosofia, o que nos sugere, ao mesmo tempo, a aproximação e o distanciamento entre estas duas áreas da cultura. Ora, religião (do latim re-ligare) significa ligar de novo. Trata-se de procurar a união do ser humano com Deus, através do rito e da vivência interior. A filosofia, por sua vez, utiliza a racionalidade para conferir um sentido ao mundo. Ao contrário da religião, que se apoia na Revelação divina e nos dogmas que ela veicula, a filosofia desenvolve-se mediante o exercício crítico e a exigência de fundamentação.
Senão vejamos o que pode levar o ser humano a religião? Sabemos que o ser humano constrói no seu mundo, de acordo com os seus projectos. Um mundo que ele desejaria harmonioso e belo. Mas, a vida confronta-o com a experiência do negativo. Desde logo, o ser humano confronta-se com a sua própria finitude, isto é, com a sua condição de ser mortal, tendo consciência desse facto, sentindo-se dependente, contingente e limitado. Além disso, a fome, as catástrofes, as doenças, a ignorância, a dor e a morte geram nele sentimentos de insegurança, ameaça, fragilidade, insatisfação, angustia e medo.
Os seres humanos primitivos recorriam aos deuses para tentarem explicar estas realidades e, ao mesmo tempo, para que as intervenções divinas se tornassem favoráveis. Nas religiões politeístas, existia uma hierarquia de deuses antropomórficos, diante dos quais os seres humanos realizavam ritos e cerimonias, a fim de os tornarem propícios por base o medo.
Para além do medo existem ainda outro factor na base da religião: o fascínio pelo mistério, a atracção do desconhecido independentemente de qual possa ser a causa fundamental que a origina, a religião coloca o ser humano perante um outro. Este confere sentido à existência, e, diante dele, o ser humano sente a sua pequenez, a sua insignificância, o que o conduz a uma atitude de relevância. É na transcendência divina, no Além, que se encontra a salvação. A transcendência representa, neste contexto, tudo que está para além, possuindo uma natureza absolutamente diferente e superior em relação ao ser humano. Equivale ao divino essa presença suprema enigmática que, ao mesmo tempo é fonte de sentido. Além disso, a transcendência opõe-se à imanência, esta diz respeito ao que é interior a um ser ou a um objecto de pensamento não dependendo de uma instância exterior.
O sentimento do medo e da morte, a realidade do sofrimento e o fascínio pelo mistério conjugam-se no mesmo movimento que leva o ser humano a procurar um sentido para a vida. O sentido da vida é uma questão de construção pessoal. Há aqueles que afirmam que a vida não tem sentido; outros dizem que o sentido da vida deve ser procurado apenas na dimensão terrena da existência; finalmente, encontra-se aqueles que afirmam que o sentido da vida deve ser procurado para além da morte. É essa a proposta das religiões.
A multiplicidade e a variedade das religiões – cristianismo, judaísmo, islamismo, budismo, hinduísmo – não nos permitem obter uma resposta imediata à pergunta: o que é a religião?
Com efeito, incluem-se na religião o animismo (crença que atribui alma aos seres inanimados, procurando obter os seus benefícios mediante certas práticas), o politeísmo (crença na existência de muitos deuses, hierarquizados e com poderes específicos, concebidos à semelhança do ser humano – antropomorfismo) e as diversas formas de monoteísmo (crença na existência de um único Deus, omnipotente, infinitamente bom, omnisciente, absoluto: cristianismo, judaísmo, islamismo). As crenças e as práticas religiosas são múltiplas, assim como as atitudes verificadas no interior de cada religião, desde a crendice imediata à religiosidade esclarecida.
A religião pode ser encarada, desde logo, na sua dimensão social. Oferecendo ao crente um conjunto de dogmas e de normas a cumprir, cada religião orienta e integra o indivíduo num grupo que partilha a mesma fé, numa comunidade guiada por ideias semelhantes. Deste modo, o fenómeno religioso, em virtude da sua extensão, surge como um elemento sociocultural extremamente importante. Fenómeno complexo e multidimensional, cada religião define-se, em geral, pelos seguintes elementos:
- Um corpo de crenças; um culto;
- Um culto, uma liturgia;
- Uma organização;
- Uma moral;
- A ideia de salvação;
- Um mediador ou mediadores;
- Livros sagrados.
A partir destas características, podemos dizer que a religião não se constrói apenas no domínio da vida privada. Nos países ocidentais, verifica-se uma separação entre a religião e o poder político, mas nem sempre foi assim e existem hoje muitos países fora do Ocidente onde tal separação ainda é pouco nítida.
Com o advento do renascimento, recuperam-se os ideais dos valores pagãos greco-romanos, ao mesmo tempo que a descoberta de novos mundos configura outra visão do ser humano. Um conjunto de movimentos reformistas vem pôr em causa a hierarquia e a tradição da igreja e o racionalismo da Idade Moderna exalta a técnica e a ciência, procurando emancipar o ser humano. Assim a religião vai perdendo as suas funções de justificação da ordem social e existencial, enquanto diversas instâncias da sociedade se vão libertando da tutela da igreja.
No entanto, a religião também possui uma dimensão pessoal e individual, traduzida na fé e na vivência emotiva. Aparentemente a fé é apenas uma adesão a um conjunto de verdades afirmadas por determinadas religiões – mas só aparentemente. Com efeito, a adesão situa-se no plano do conhecimento e a fé não pertence a este domínio. Ter fé não é escolher entre o sim e o não: é abrir-se a uma certeza subjectiva, a uma confiança emotiva, a um compromisso, que também comporta uma esperança.
Rute Ribeiro

Judaísmo

O judaísmo é considerado a primeira religião monoteísta a aparecer na história. Tem como crença principal a existência de apenas um Deus, o criador de tudo. Para os judeus, Deus fez um acordo com os hebreus, fazendo com que eles se tornassem o povo escolhido e prometendo-lhes a terra prometida.
Actualmente a fé judaica é praticada em várias regiões do mundo, porém é no estado de Israel que se concentra um grande número de praticantes.
O livro sagrado dos judeus a Torá ou Pentateuco, de acordo com os judeus, é considerado o livro sagrado que foi revelado directamente por Deus. Fazem parte da Torá: Génesis, o Êxodo, o Levítico, os Números e o Deuteronômio. O Talmude é o livro que reúne muitas tradições orais e é dividido em quatro livros: Mishnah, Targumin, Midrashim e Comentários.
Relativamente aos rituais e símbolos judaicos pode-se dizer que os cultos judaicos são realizados num templo chamado de sinagoga e são comandados por um sacerdote conhecido por rabino. O símbolo sagrado do judaísmo é o memorá, candelabro com sete braços.
E entre os rituais, podemos citar a circuncisão dos meninos (aos 8 anos de idade) e o Bar Mitzvah que representa a iniciação na vida adulta para os meninos e a Bat Mitzvah para as meninas (aos 12 anos de idade).
Os homens judeus usam a kippa, pequena touca, que representa o respeito a Deus no momento das orações.Nas sinagogas, existe uma arca, que representa a ligação entre Deus e o Povo Judeu. Nesta arca são guardados os pergaminhos sagrados da Torá.
As datas das festas religiosas dos judeus são móveis, pois seguem um calendário lunisolar e as principais são as seguintes:
Purim – os judeus comemoram a salvação de um massacre elaborado pelo rei persa Assucro.
Páscoa (Pessach) comemora-se a libertação da escravidão do povo judeu no Egipto, em 1300 AC.
Shavuót – celebra a revelação da Torá ao povo de Israel, por volta de 1300 a.C.
Rosh Hashaná – é comemorado o Ano-Novo judaico.
Yom Kipur – considerado o dia do perdão. Os judeus fazem jejum por 25 horas seguidas para purificar o espírito.
Sucót - refere-se a peregrinação de 40 anos pelo deserto, após a libertação do cativeiro do Egipto.
Chanucá comemora-se o fim do domínio assírio e a restauração do tempo de Jerusalém.
Sim chat Torá celebra a entrega dos Dez Mandamentos a Moisés.
Rute Ribeiro

26/04/2007

Islamismo

A religião muçulmana tem crescido nos últimos anos (actualmente é a segunda maior do mundo) e está presente em todos os continentes. Porém, a maior parte de seguidores do islamismo encontra-se nos países árabes do Oriente Médio e do norte da África. A religião muçulmana é monoteísta, ou seja, tem apenas um Deus: Alá. Criada pelo profeta Maomé, a doutrina muçulmana encontra-se no livro sagrado, o Alcorão ou Corão. Foi fundada na região da actual Arábia Saudita.
O seu profeta era Maomé. Muhammad (Maomé) nasceu na cidade de Meca no ano de 570. Filho de uma família de comerciantes passou parte da juventude viajando e conhecendo diferentes culturas e religiões. Aos 40 anos de idade, de acordo com a tradição, recebeu a visita do anjo Gabriel que lhe transmitiu a existência de um único Deus. A partir deste momento, começa sua fase de pregação da doutrina monoteísta, porém encontra grande resistência e oposição. As tribos árabes seguiam até então uma religião politeísta, com a existência de vários deuses tribais. Maomé começou a ser perseguido e teve que emigrar para a cidade de Medina no ano de 622. Este acontecimento é conhecido como Hégira e marca o início do calendário muçulmano. Em Medina, Maomé é bem acolhido e reconhecido como líder religioso. Consegue unificar e estabelecer a paz entre as tribos árabes e implanta a religião monoteísta. Ao retornar para Meca, consegue implantar a religião muçulmana que depois se expande pela península Arábica. Reconhecido como líder religioso e profeta, faleceu no ano de 632. Porém, a religião continuou crescendo após sua morte. Os livros Sagrados e doutrinas religiosas do islamismo são o Alcorão ou Corão é um livro sagrado que reúne as revelações que o profeta Maomé recebeu do anjo Gabriel. Este livro é dividido em 114 capítulos (suras). Entre tantos ensinamentos contidos, destacam-se: omnipotência de Deus (Alá), importância de praticar a bondade, generosidade e justiça no relacionamento social. O Alcorão também registra tradições religiosas, passagens do Antigo Testamento judaico e cristão. Os muçulmanos acreditam na vida após a morte e no Juízo Final, com a ressurreição de todos os mortos. A outra fonte religiosa dos muçulmanos é a Suna que reúne os dizeres e feitos do profeta Maomé.Segundo os preceitos religiosos a Sharia define as práticas de vida dos muçulmanos, com relação ao comportamento, atitudes e alimentação. De acordo com a Sharia, todo muçulmano deve: crer em Alá como seu único Deus; fazer cinco orações diárias curvado em direcção a Meca; pagar o zakat (contribuição para ajudar os pobres); fazer jejum no mês de Ramadã e peregrinar para Meca pelo menos uma vez na vida. Faz parte ainda a jidah que é a Guerra Santa, cujo objectivo é reformar o mundo e difundir os princípios do islã. A jidah, porém, não é aceita por todos os muçulmanos.
Os Locais sagrados para os muçulmanos existem três locais sagrados: a cidade de Meca, onde fica a pedra negra, também conhecida como Caaba. A cidade de Medina, local onde Maomé construiu a primeira Mesquita (templo religioso dos muçulmanos). A cidade de Jerusalém, cidade onde o profeta subiu ao céu e foi ao paraíso para encontrar com Moisés e Jesus. O Islamismo divide-se também dois grupos: os seguidores da religião muçulmana se dividem em dois grupos principais: sunitas e xiitas. Aproximadamente 85% dos muçulmanos do mundo fazem parte do grupo sunita. De acordo com os sunitas, a autoridade espiritual pertence a toda comunidade. Os xiitas também possuem sua própria interpretação da Sharia.
Rute Ribeiro

Hinduísmo

O Hinduísmo é uma das religiões mais antigas do mundo. Não há um fundador desta religião, ao contrário de tantas outras – no Islamismo, por exemplo, temos Maomé, e no Budismo, o próprio Buda. O Hinduísmo, na verdade, se compõe de toda uma intersecção de valores, filosofias e crenças, derivadas de diferentes povos e culturas.
Para compreender o Hinduísmo, é fundamental situá-lo historicamente. Por volta de 3 000 a.C., a Índia era habitada por povos que cultuavam o Pai do Universo, numa espécie de fé monoteísta. Pouco depois, em 2 500 a.C., floresceu a civilização dravídica, no vale do rio Indo, região que hoje corresponde ao Paquistão e parte da Índia. Os drávidas eram adeptos de uma filosofia de louvor à natureza, de orientação matriarcal e baseada no princípio da não-violência. Porém, em 1 500 a.C., os arianos invadiram e dominaram aquela região, reduzindo os antigos drávidas à condição de "párias" – espécie de subclasse social, que até hoje permanece sendo a casta mais baixa da pirâmide social indiana.
Sobre o Hinduísmo Védico e Hinduísmo Bramânico podemos referir que na primeira fase do Hinduísmo, que recebe o nome de Hinduísmo Védico, temos o culto aos deuses tribais. Dyaus, ou Dyaus-Pitar ("Deus do Céu", em sânscrito), era o deus supremo, consorte da Mãe Terra. Doador da chuva e da fertilidade, ele gerou todos os outros deuses. O Sol (Surya), a Lua (Chandra) e a Aurora (Heos) eram os deuses da luz. Divindades menores e locais são as árvores, as pedras, os rios e o fogo. A partir da influência ariana, o simbolismo de Dyeus passou por uma transformação e tornou-se Indra, jovem divindade que rege a guerra, a fertilidade e o firmamento. Indra representa os aspectos benevolentes da tempestade, em contraposição a Rudra, provável precursor do deus Shiva, o destruidor. Também nesse período surgiram diversas divindades, inclusive Asura, representante das forças maléficas.
Na segunda fase do Hinduísmo, que recebe os nomes de Vedanta (fim dos Vedas) ou Hinduísmo Bramânico, ocorre a ascensão de Brahma, a divindade que simboliza a alma universal. Brahma é um dos deuses que compõem o Trimurti (Trindade) do Hinduísmo. Ele representa a força criadora. Os dois outros deuses são Vishnu, o preservador, e Shiva, o destruidor. Neste momento, surge a figura dos brâmanes, que compõem a casta sacerdotal da tradição hindu. Os rituais ganham uma série de componentes mágicos e elaboram-se ideias mais complexas acerca do Universo e da alma, inclusive conceitos como o de reencarnação e o de transmigração de almas.
Numa terceira fase e já no século XII, a Índia é invadida pelos muçulmanos, e grande parte de sua população é forçada à conversão. Aliás, o termo hindu designava qualquer pessoa nascida na Índia, mas a partir do século XIII este termo ganhou uma conotação religiosa, tornando-se sinónimo de "nativo não-convertido ao Islamismo". A influência muçulmana se faz sentir dentro da ritualística hindu, pois uma das características marcantes do Hinduísmo é sua capacidade de absorver novos elementos e agregá-los ao seu sistema de crenças. Isso também ocorre quando, no século XVIII, o Cristianismo se insere no universo indiano, pela influência predominante dos colonizadores franceses.
Este Hinduísmo híbrido também se divide em várias correntes, cujos expoentes são gurus como Sri Ramakrishna (1834-86), Vivekananda (1863-1902) e Sri Aurobindo (1872-1950). O que essas correntes têm em comum é a preocupação em estender o trabalho espiritual ao âmbito social, por meio de trabalhos filantrópicos e assistenciais.
Por força dessa nova fase, a própria organização social da Índia – em sistema de castas –, começa a perder o sentido, pois existe um clamor ético por igualdade e solidariedade. O maior mestre do Hinduísmo moderno é Mahatma Gandhi (1869-1948), conhecido no Ocidente como chefe político, mas venerado na Índia como guru espiritual. Gandhi, adepto da Ahimsa (o princípio da não-violência), apregoava a importância do homem exercer perfeito controlo sobre si mesmo. Hoje, o Hinduísmo é a crença predominante na Índia. Mais do que uma religião, ele se caracteriza como uma tradição cultural, que engloba modo de viver, ordem social, princípios éticos e filosóficos.
Falemos agora sobre as Escrituras Sagradas:
VEDAS: Primeiros livros do Hinduísmo, surgidos aproximadamente no ano de 1 000 a.C., que aglutinam quatro colectâneas de textos. Dentre eles, destaca-se o Mahabharata, que contém o poema épico Bhagavad Gita (A Canção do Senhor). O conteúdo dos Vedas oscila entre o Monoteísmo (culto a um deus único) e o Politeísmo (culto a diversos deuses).
UPANISHADS: Essas escrituras, que podem ser traduzidas como Doutrinas Arcanas, foram redigidas por místicos que representam o expoente máximo do Bramanismo (uma das vertentes do Hinduísmo). Sua estrutura é a de uma série de diálogos entre mestres e discípulos, cujo ensinamento fundamental é o seguinte: o mundo em que vivemos é feito de maya (ilusão), e embora possamos ter a impressão de que o mundo é real, a única verdade é Brahma, a divindade suprema.
É também importante referir fundamentos importantes; por exemplo, para o Hinduísmo, as pessoas possuem um espírito (atman), que é uma força perene e indestrutível. A trajectória desse espírito depende das nossas acções, pois a toda acção corresponde uma reacção – Lei do Carma. Enquanto não atingimos a libertação final – chama de moksha –, passamos continuamente por mortes e renascimentos. Este ciclo é denominado Roda de Samsara, da qual só saímos após atingirmos a Iluminação.
Os rituais se compõem de dois elementos principais: Darshan, que é a meditação / contemplação da divindade, e o Puja (oferenda). A alimentação vegetariana é um dos pontos essenciais da filosofia hindu. Isso porque é livre da impureza (morte / sangue), e como todo alimento deve ser antes oferecido aos deuses, não se poderia ofertar algo que fosse "sujo". As preces são entoadas como cânticos no idioma sânscrito, língua "morta" que deu origem ao hindi e a um grande número de dialectos praticados na Índia. Essas preces recebem o nome de mantras. Os mantras são dirigidos a diversas divindades, ou estimulam qualidades pessoais. Em geral, são entoados 108 vezes, e para sua contagem utiliza-se o japa-mala (colar de contas), uma espécie de "rosário", confeccionado em sândalo ou com sementes de rudraksha (árvores consideradas altamente auspiciosas pela tradição indiana). O mantra mais importante é o OM, "sílaba sagrada" que representa o próprio nome de Deus. OM é a semente de todos os mantras e princípio da criação. Foi dele que derivou toda a matéria – neste aspecto, podemos até traçar um paralelo com o génesis da Bíblia: "E o som se fez carne".
Como divindades temos:
Shiva é a divindade que representa o princípio masculino. É o deus da morte, da destruição e das transformações profundas. Sua autuação é fundamental, porque do caos que ele promove, é que se faz a nova vida.
Em geral, é mostrado em movimento de dança, no meio de uma roda de Fogo, elemento da natureza ao qual ele está associado. Sua dança, denominada Tandava, simboliza o eterno movimento do universo. Com o pé direito, ele esmaga a cabeça de uma figura bestial – a ignorância – e com o pé esquerdo ele faz um movimento ascendente, indicando a liberação espiritual.
Na Índia, é comum encontrarmos os saddhus – homens "santos", que renunciam ao mundo e vagueiam em busca de sabedoria e iluminação. Devotos de Shiva, os saddhus costumam andar seminus, têm os cabelos bastante compridos e emaranhados e dedicam-se à prática do ioga, que seria uma expressão da dança de Shiva.
O princípio feminino da criação é Shakti, que se manifesta como Parvati (a mãe), Durga (a deusa da beleza), Lakshmi (senhora da arte e da criatividade) e Kali (senhora da destruição). Todas elas são esposas de Shiva.
Rute Ribeiro

25/04/2007

O pensamento de Galileu Galilei

Galileu Galilei nasceu em Pisa, 15 de Fevereiro de 1564 e morreu Florença, 8 de Janeiro de 1642 foi um notável físico, matemático e astrónomo italiano.
Galileu foi responsável por diversas descobertas tais como luneta astronómica, com a qual descobriu as montanhas da Lua, os satélites de Júpiter, as manchas solares e fases nos planetas Mercúrio e Vénus, a balança hidrostática, o compasso geométrico e militar, descobriu que a massa não influi na velocidade da queda de corpos, estudou as oscilações do pêndulo e criou o primeiro mecanismo pendular.
O Renascimento é o movimento cultural que teve início no século XV, marca o início da época moderna, constituindo uma ruptura com o pensamento medieval. De entre muitas inovações técnicas, a visão heliocêntrica começa a assumir cada vez mais relevo e o Homem assume um papel cada vez mais importante e valorizado.
Durante este período começa a produzir-se uma profunda transformação na sociedade europeia, assiste-se ao estabelecimento definitivo da ciência e ao início da filosofia moderna.
O projecto de uma nova ciência, com um novo método, surge associada a uma concepção utilitarista, ou seja, a ciência passa a ter uma dimensão essencialmente prática, tal como refere Francis Bacon " a Natureza domina-se, obedecendo-lhe".
É no século XVII que tem lugar a revolução cientifica no âmbito da astronomia, ao eliminar a teoria geocêntrica do Universo e substituindo-a pela heliocêntrica. Paralelamente esta nova ciência contesta os princípios básicos da concepção aristotélica, tais como a finitude do Universo, interpretação finalista do movimento, uniformidade e circularidade do movimento dos corpos celestes. O resultado foi a destruição definitiva da imagem aristotélica do Universo.
No ano de 1623 publicou a obra Saggiatore (Experimentador) para combater a física aristotélica e estabelecer a matemática como fundamento das ciências exactas. «A filosofia está escrita nesse grandioso livro que se mantém continuamente aberto perante os nossos olhos (quero dizer, o Universo), mas não se pode entendê-lo se primeiramente não se cuida de entender a língua e conhecer os caracteres em que está escrito. Está escrito em linguagem matemática, e os caracteres são triângulos, círculos e outras figuras geométricas, sem as quais é impossível entender humanamente alguma palavra; sem estes meios é dar volta em vão num obscuro labirinto». (O Ensaiador, IV)
Na obra Diálogo sobre os grandes sistemas do mundo publicado em 1632, na qual voltou a defender o sistema heliocêntrico. Neste diálogo Galileu discute os méritos do sistema geocêntrico de Ptolomeu e os do sistema heliocêntrico proposto por Nicolau Copérnico. Nele intervêm três personagens: Salviatti (amigo de Galileu e defensor da teoria de Copérnico), Simplício (personagem imaginário, aristotélico e defensor o geocentrismo); Sagredo (amigo de Galileu, tem a tarefa de destacar os pontos em que as teorias apresentam contradições). Devido ao cariz revolucionário da obra, ela foi condenada pela Inquisição.
Foi Galileu quem primeiro estudou, com rigor, os movimentos na Terra. As suas experiências permitiram chegar a algumas leis da Física que ainda hoje são aceites. Foi também ele que introduziu o método experimental: na base da Física, estão problemas acerca dos quais os físicos formulam hipóteses, as quais são sujeitas à experimentação, ou seja, provoca-se um dado fenómeno em laboratório de modo a ser possível observá-lo e analisá-lo cuidadosamente. Galileu procedeu a várias experiências, como deixar cair corpos de vários volumes e massas, estudando os respectivos movimentos. Tais experiências permitiram-lhe chegar a conclusões acerca do movimento em queda Livre. Também o estudo do movimento do pêndulo, segundo o qual concluiu que independentemente da distância percorrida pelo pêndulo, o tempo para completar o movimento é sempre o mesmo. Através desta conclusão construiu o relógio de pêndulo, o mais preciso da sua época.
Os autores medievais defendiam que a Terra era redonda, mas aceitavam erradamente o geocentrismo como foi apresentado por Aristóteles e Ptolomeu. Esse sistema cosmológico propunha que a Terra estava parada no centro do Universo e os outros corpos orbitavam em círculos concêntricos à sua volta. A Igreja Católica aceitava esse modelo. Essa visão geocêntrica tradicional foi abalada por Nicolau Copérnico, que em 1514 começou a divulgar um modelo matemático em que a Terra e os outros corpos celestes giravam ao redor do Sol, tese que ficou conhecida como heliocentrismo (já defendida por Aristarco de Samos cerca de mil anos antes).
Galileu no início da sua jornada terceira dos seus Diálogos refere: " Exponhamos agora uma ciência nova acerca de um tema mui antigo. Não há talvez na natureza nada mais antigo do que o movimento, e não faltam livros volumosos sobre tal assunto escritos pelos filósofos. Apesar de tudo isto, muitas das suas propriedades, mui dignas de conhecer-se, não foram observadas nem demonstradas até ao momento." A Galileu interessam as propriedades do movimento enquanto tal e não as causas de uma coisa estar em movimento, nem as razões para ele deixar de estar.
A primeira preocupação de Galileu consiste em dar uma definição para cada tipo de movimento. Por movimento uniforme entende aquele no qual as distâncias percorridas pela partícula em movimento durante quaisquer intervalos iguais de tempo são iguais entre si. a matematização deste movimento tão simples supõe um profundo esforço de abstracção matemática. O movimento em queda livre ou movimento uniformemente acelerado (queda dos graves) supõe que não há aumento ou adição mais simples do que aquele que vai aumentando sempre da mesma forma. Diz-se que um corpo está em movimento uniformemente acelerado quando partindo do repouso adquire, durante intervalos iguais de velocidade. O movimento dos projécteis, revelado na sua quarta jornada dos Diálogos, pode ser traduzido da seguinte forma: um projéctil projectado sobre um plano horizontal do qual se tirou qualquer atrito, assim o movimento desenvolver-se-á sobre tal plano com um movimento uniforme e perpétuo, na suposição de que este plano se prolongue até ao infinito.
Susana Lopes

Albert Einstein

Albert Einstein (1879-1955) tem naturalização alemã e Suiça. O ano de 1905 é considerado o ano mirabilis para Einstein. Nesse ano, publicou cinco artigos, um dos quais o levaria a ganhar o Prémio Nobel da Física em 1921 pela descoberta do Efeito Fotoeléctrico.
Um dos artigos escritos no ano de 1905 foi o Movimento Browniano. Este movimento constitui uma certeza experimental da existência dos átomos. Antes deste artigo, os átomos eram considerados um conceito útil, mas a sua existência concreta era controversa.
Foi o físico Ernest Rutherford (1871-1937) que através das experiências realizadas, provou que o átomo tinha um núcleo central, em torno do qual rodavam os electrões. Com este movimento Einstein mostrou o movimento aleatório de partículas macroscópicas num fluido como consequência dos choques das moléculas do fluido nas partículas. Isto é, Einstein relacionou este movimento browniano com o comportamento dos átomos e deu aos cientistas um método de contagem dos átomos a partir de um microscópio vulgar.
No ano de 1905 o físico publicou, também, o artigo que o levou a ganhar o Prémio Nobel da Física em 1921, apesar de ter sido reconhecido apenas um ano depois, na medida em que, os físicos não apoiavam esta teoria. Muitos pensavam que as equações com os quanta de luz era impossível.
Com o Efeito Fotoeléctrico, Einstein mostrou como é que os quanta de luz (os actuais fotões) poderiam ser utilizados para explicar fenómenos como o efeito fotoeléctrico. Este efeito é a emissão de electrões através de um material, geralmente de metal, quando exposto a uma radiação electromagnética – como a luz – e de uma frequência suficientemente alta. O efeito fotoeléctrico pode ser observado quando a luz incide sobre a placa de metal, arranca da placa, literalmente, os electrões.
Esta sua descoberta teve grande importância para uma compreensão mais profunda da natureza da luz. É graças ao efeito fotoeléctrico que é permitido o cinema falado, assim como a transmissão de imagens animadas, como na televisão.
Por último, Einstein publica no mesmo ano a Relatividade restrita. Para fundamentar a sua teoria, depois de determinadas experiências, o físico chegou a conclusão que a velocidade da luz é a mesma para todos os observadores. A passagem do tempo é sempre relativa ao observador e à sua velocidade. As dimensões dos objectos surgem, de facto, diferentes, consoante são medidas por um observador, imóvel ou em movimento, em relação aos próprios objectos.
Esta teoria da relatividade restrita permitiu que Einstein desenvolvesse a Teoria da Relatividade Geral. Enquanto na teoria da relatividade restrita Einstein refere-se ao ponto de vista do observador sobre o movimento dos objectos, nesta teoria o físico incidiu o seu estudo no movimento de um corpo num espaço-tempo.
Não existe movimento espacial sem movimento temporal. Isto é, no espaço-tempo não é possível a um corpo se mover nas dimensões espaciais sem se deslocar no tempo. Assim, podemos afirmar que no espaço-tempo estamos sempre em movimento. Na ideia que temos de “estar parado”, significa que encontramos uma forma de não nos deslocarmos na direcção espacial, mas apenas no tempo.
Sabemos que a maior velocidade possível no Universo, para algo material, é a velocidade da luz. Por isso, com esta teoria da relatividade, Einstein cria no espaço-tempo duas teorias distintas: a região a que temos acesso – o tempo, e a região à qual não temos acesso imediato – o espaço. Por isso, quando estamos sentados no sofá a ler um livro, o movimento continua a estar presente – neste caso o movimento do tempo.
Lurdes Santos

A física de Aristóteles

Aristóteles discípulo de Platão e mestre de Alexandre, O Grande, nasceu em Estagira no ano 384 a. C. .
Conservam-se alguns fragmentos dos seus escritos de juventude (diálogos de conteúdo e estilo platónico), bem como um número considerável de tratados completos cujo conjunto se denomina corpus aristotelicum. Os tratados mais importantes são dedicados a questões da lógica, de filosofia da natureza e biologia (os mais importantes deste grupo são a Física e Acerca da Alma), de ética (Ética a Nicómaco) e de política (Política). Escreveu também a Metafísica, obra dedicada a questões de Ontologia e Teologia, e a Física.
No que respeita à Física, esta é muito próxima da sua cosmologia, por isso para compreendermos a sua proposta física é necessário fazer referência à sua cosmologia. Tal como os primeiros filósofos, os pré-socrárticos, também Aristóteles procurou explicar a arché (substancia primordial) do mundo. Ao invés dos filósofos anteriores, concluiu a existência de cinco substâncias primordiais, o ar, água, terra, fogo e éter.
Deve haver uma ousía ou substância que permaneça na mudança e que seja o sujeito que sofra e através do qual se levem a cabo tais transformações. Por substância, Aristóteles entende tudo o que existe, ou seja, tudo o que tem existência efectiva, que seja substancial. Assim, tudo o que é ou existe, existe em potência ou em acto. Um ser pode ser actualmente ou apenas uma possibilidade. Potência significa capacidade, qualificação, possibilidade. É a possibilidade de chegar a ser algo que ainda não é de facto. Uma semente não é ainda uma árvore, mas tem-na em potência, tem a possibilidade de se tornar arvore. Portanto, uma semente é uma árvore em potência.
O acto é a tradução escolástica dos termos entelechia e enérgeia. Ambos se referem à perfeição, cumprimento e desenvolvimento das potencialidades de uma substância. O acto refere-se ao que efectivamente é.
A substância é vista como um composto de dois elementos: matéria e forma. Por matéria entende-se aquilo de que algo é feito, por forma entende-se a essência, aquilo que faz com que algo seja o que é, é aquilo que lhe confere sentido. A matéria e a forma não podem existir separadas, só se pode encontrar a matéria debaixo de uma determinada forma e uma forma informando uma matéria. A matéria e a forma são a causa das substâncias naturais (objecto de estudo da Física). A elas, Aristóteles acrescenta quatro causas, que ajudam a compreender um processo ou movimento (porque o importante num processo de conhecimento é explicar, já não basta definir ou discernir, é preciso demonstrar). As quatro causas são então, a causa material (matéria, aquilo de que algo é feito), a causa formal (é o que informa um ente, faz com que ele seja o que é), a causa eficiente ou motora (é o princípio primeiro de movimento ou mudança) e a causa final (é o fim ou a finalidade com que determinada coisa foi feita, é o para quê).
A cosmologia aristotélica não explica como é o Cosmos (Universo), apenas define os astros como esferas perfeitas, com velocidade uniforme e orbitas circulares, são feitos de éter e giram à volta da Terra, sem nunca morrerem (eternidade/perfeição). Segundo Aristóteles, a Terra situa-se no centro do Universo (concepção geocêntrica) e aí permanece imóvel. Para eles o Universo é finito, terminando na esfera das estrelas.
A cosmologia aristotélica diferencia duas regiões do mesmo Universo: o mundo sublunar e o mundo supra ou meta-lunar. O mundo sublunar é a região do Cosmos que abarca toda a parte situada abaixo da Lua (sem incluir esta última): a região terrestre, nosso mundo. Este é constituído por quatro das cinco substâncias primordiais, o ar, água, terra, fogo. Assim, devido à mistura destas quatro substâncias tudo sofre mutação, tudo é corrompido. Para Aristóteles, no mundo sublunar existe mudança e esta é símbolo de desequilíbrio, imperfeição, pelo que o nosso mundo não é perfeito.
Para compreender e estudar estas transformações existe a Física, que se ocupa do estudo das transformações que ocorrem no mundo sublunar. Os movimentos característicos dos seres do mundo sublunar são sempre finitos, significa o mesmo que dizer que têm um princípio e um fim. Todos os corpos que compõem esta região são compostos de quatro elementos que possuem diferentes naturezas.
Os movimentos naturais dos corpos terrestres são rectilíneos, ascendentes (fogo, ar) e descendentes (terra e água). Os movimentos não rectilíneos são sempre violentos ou forçados por algo exterior ao corpo que se move. Assim, supõem uma violação da ordem natural. Além disso, todos os movimentos se realizam com vista a um fim: a manutenção da ordem do conjunto. Se a ordem se altera, a natureza tem os mecanismos adequados para restabelecer a ordem necessária e justa.
O mundo meta ou supra-lunar é a região que abarca a Lua e todos os cinco planetas – Mercúrio, Vénus, Marte, Júpiter e Saturno –, o Sol e as estrelas.
Esta região é absolutamente diferente da região terrestre: aqui impera a ordem, a harmonia, a regularidade. E é assim porque os corpos celestes não se compõem dos quatro elementos terrestres, mas apenas de éter, "o que sempre corre", que é um material leve, e transparente. O éter ou a quinta essência é um elemento incorruptível e eterno que ocupa o céu conferindo-lhe uma homogeneidade e perfeição que os corpos terrestres jamais poderão ter. Os corpos celestes, compostos de éter, não vagueiam pelo espaço vazio, que é inexistente. Os planetas e as estrelas estão sujeitas a umas esferas de éter que são movidas por motores imóveis. O elemento éter que forma o mundo supralunar tem um movimento (natural e intrínseco) circular e uniforme.
O universo aristotélico não tem princípio nem fim, é eterno.
Por natureza, Aristóteles entende "A natureza é, em todas as coisas que possuem um princípio de movimento, a forma e a essência que não são separáveis a não ser pelo pensamento. Em relação ao composto de matéria e forma, há que referir que não é uma natureza, apenas um ser natural ou por natureza, como é o homem." (Física, II, 193b 3-7)
Susana Lopes

Zambrano, M. (1993). A Metáfora do Coração e Outros Escritos. Lisboa: Assírio e Alvim.
Preferencialmente indicada para I - Iniciação à Actividade Filosófica.

sugestão de leitura

Wilde, O. (1995). O Retrato de Dorian Gray. Lisboa: Ed. Estampa.
Preferencialmente indicada para II - 3.1. - A Dimensão Ético-Política e 3.2. - A Dimensão Estética.

Weston, A. (1996). A Arte de Argumentar. Lisboa: Gradiva.
Preferencialmente indicada para III - Racionalidade Argumentativa e Filosofia.

Warburton, N. (1998). Elementos Básicos de Filosofia. Lisboa: Gradiva.
Preferencialmente indicada para I - Iniciação à Actividade Filosófica; II - 3.1. - A Dimensão Ético-
-Política; 3.2. - A Dimensão Estética; 3.3. - A Dimensão Religiosa e IV - O Conhecimento e a Racionalidade Científica e Tecnológica.

Valadier, P. (1996). Cartas a um cristão inquieto. s/l: Temas e Debates.
Preferencialmente indicada para II - 3. 3. - A Dimensão Religiosa.

Swanburne, R. (1998 ) Será Que Deus Existe?. Lisboa: Gradiva.
Preferencialmente indicada para II - 3.3. - A Dimensão Religiosa.

Sousa Santos, B. (1987). Um Discurso sobre as Ciências. Porto: Ed. Afrontamento.
Preferencialmente indicada para IV - O Conhecimento e a Racionalidade Científica e Tecnológica.

Sófocles (1992). Antígona. Coimbra: INIC.
Preferencialmente indicada para II - 3.1. - A Dimensão Ético-Política.

Sérgio, A. (1980). Prefácio do Tradutor. In RUSSELL, B.. Os Problemas da Filosofia. Coimbra: Arménio Amado.
Preferencialmente indicada para I - Iniciação à Actividade Filosófica.

Savater, F. (1993). Ética para um Jovem. Lisboa: Ed. Presença.
Preferencialmente indicada para II - 3.1. - A Dimensão Ético-Política.

Sartre, J.-P. (1972). As Mãos Sujas. s/l: Publ. Europa-América.
Preferencialmente indicada para II - 3.1. - A Dimensão Ético- Política.
Sartre, J.P. (1946). O existencialismo é um Humanismo. Bertrand.
Indicada para o 11º ano - Filosofia e o Sentido (Unidade V)

Russell, B. (1976). O Impacto da Ciência na Sociedade. Rio de Janeiro: Zahar Editores.
Preferencialmente indicada para IV - O Conhecimento e a Racionalidade Científica e Tecnológica.

Russell, B. (1967). Porque não Sou Cristão. Porto: Brasília Editora.
Preferencialmente indicada para II - 3.3. - A Dimensão Religiosa.

Reich, W. (1977). Escuta Zé Ninguém. Lisboa: Publ. Dom Quixote.
Preferencialmente indicada para I - Iniciação à Actividade Filosófica e II - 3.1. - A Dimensão Ético-Política.

Popper, K. & Lorenz, K. (1990). O Futuro está Aberto. Lisboa: Ed. Fragmentos.
Preferencialmente indicada para II - 3.1. - A Dimensão Ético-Política e IV - O Conhecimento e a Racionalidade Científica e Tecnológica.

Platão (1993). Críton. In Êutifron, Apologia de Sócrates, Críton. Lisboa: INCM.
Preferencialmente indicada para II - 3.1. - A Dimensão Ético-Política. e III - Racionalidade Argumentativa e Filosofia.

Platão (1993). Apologia de Sócrates. In Êutifron, Apologia de Sócrates, Críton. Lisboa: INCM.
Preferencialmente indicada para I - Iniciação à Actividade Filosófica; II - 3.1. - A Dimensão Ético-Política e III - Racionalidade Argumentativa e Filosofia.

Nagel, Th. (1995). Que Quer Dizer Tudo Isto? Uma Introdução à Filosofia. Lisboa: Gradiva.
Preferencialmente indicada para I - Iniciação à Actividade Filosófica; II - 3.1. - A Dimensão Ético-Política e IV - O Conhecimento e a Racionalidade Científica e Tecnológica.

Martin du Gard, R. (s/d). O Drama de Jean Barrois. Lisboa: Inquérito.
Preferencialmente indicada para II - 3.3. - A Dimensão Religiosa.

Kant, I. (1988). Resposta à pergunta: Que é o Iluminismo?. In A Paz Perpétua e Outros Opúsculos. Lisboa:
Ed. 70.
Preferencialmente indicada para I - Iniciação à Actividade Filosófica; II - 3.1. - A Dimensão Ético-Política e V - Unidade Final.

Jaspers, K. (1984). Iniciação à Filosofia. Lisboa: Guimarães Ed.
Preferencialmente indicada para I - Iniciação à Actividade Filosófica.

Huxley, A. (s/d). Admirável Mundo Novo. Lisboa: Livros do Brasil.
Preferencialmente indicada para II - 2. - Os Valores.

Gaarder, Jostein (1995) O Mundo de Sofia. Uma Aventura na Filosofia. Lisboa. Ed. Presença.
Preferencialmente indicada para I - Iniciação à Actividade Filosófica.

Eco, U. (s/d). O Nome da Rosa. Lisboa: Difel.
Preferencialmente indicada para II - 2. Os Valores e IV - O Conhecimento e a Racionalidade Científica e Tecnológica.

Dostoievsky, F. (1999). Crime e Castigo. Mem Martins: Publ. Europa-América.
Preferencialmente indicada para II - 3.1. - A Dimensão Ético-Política; 3.3. - A Dimensão Religiosa e V - Unidade Final.

Descartes, R. (1988). O Discurso do Método. Lisboa: Ed. 70.
Preferencialmente indicada para III - Racionalidade Argumentativa e Filosofia e IV - O Conhecimento e a Racionalidade Científica e Tecnológica.

Carroll, L. (1988). Alice no País das Maravilhas. Lisboa: Publ. Dom Quixote.
Preferencialmente indicada para I - Iniciação à Actividade Filosófica e III - Racionalidade Argumentativa e Filosofia.

Camus, A. (1979). O Mito de Sísifo. Ensaio sobre o Absurdo. Lisboa: Livros do Brasil.
Preferencialmente indicada para V - Unidade Final.

Breyner, S. M. (1991). Artes Poéticas. In Obra Poética III (pp. 93-96, 166-169, 349-350). S/l: Ed. Caminho.
Preferencialmente indicada para II - 3.2. - A Dimensão Estética.

Breyner, S.M. (1989). A Viagem. In Contos Exemplares. s/l: Figueirinhas.
Preferencialmente indicada para I - Iniciação à Actividade Filosófica e V - Unidade Final.

23/04/2007

Budismo

Fundado na Índia por volta do ano 560 a.C. (século VI) inspirado nos ensinamentos de Siddhartha Gautama, a quem chamaram em sânscrito de o Buda (que significa aquele que sabe ou aquele que despertou), o Budismo apresenta-se como a busca da iluminação sem Deus, “(…) não desperdiceis o vosso tempo prestando homenagem ao meu cadáver”, disse-o Siddhartha. Siddhartha nasceu num jardim de arvores-sal chamado Bosque Lumbini numa noite de lua cheia em Maio do ano 623 a.C..
Misto de filosofia e religião, o Budismo é antes de mais, um caminho para a paz espiritual, uma escolha que relega o plano material para uma posição secundária. Aberto a todos os grupos sociais, etnias, culturas e nacionalidades desenvolveu-se por todo o Extremo Oriente.
Siddhartha Gautama, convencido de que a vida é cheia de sofrimentos e sacrifícios, resolveu procurar a iluminação religiosa. De ascendência real, percorreu o Nordeste da Índia durante seis anos. A sua pregação baseava-se na crença de que a existência é um ciclo contínuo de morte e renascimento. Assim, a posição e o bem-estar na vida decorrem da conduta nas vidas anteriores. Um elo liga a vida presente à vida passada. O desligamento dos bens materiais, a paz e a plenitude levam a um estado de ausência total de sofrimento a que Buda chamou d e Nirvana. Para o atingir, é necessário seguir a Doutrina das quatro nobres verdades e da Senta Óctupla. As quatro nobres verdades são a contestação de que o sofrimento é factor inerente a toda a forma de existência; que a origem do sofrimento é a ignorância; que se pode dominar o sofrimento por meio da extinção da ignorância; e que o caminho que leva ao domínio de sofrimento, caminho médio entre a automortificação e o abandono dos prazeres, consiste na Senta Óctupla.
A Primeira das quatro verdades a respeito do sofrimento diz: “esta é a nobre verdade a respeito do sofrimento. O nascimento é acompanhado de dor, a decadência é dolorosa, a doença é dolorosa, a morte é dolorosa. A união com o que é desagradável é dolorosa, e doloroso é separar-se do que é agradável; e todo anseio não satisfeito, isto também é doloroso”; a segunda nobre verdade a respeito da origem do sofrimento diz: “na verdade, é esse desejo ardente, que causa a renovação da existência acompanhada de deleite sensual, buscando satisfação ora aqui, ora ali, isto é ânsia de gratificação das paixões, ou a ânsia de viver, ou a ânsia de sucesso.” A terceira nobre verdade a respeito da eliminação do sofrimento diz: “na verdade, é a eliminação, sem deixar sobrar paixão alguma, justamente desse desejo ardente; deixá-lo de lado, livrar-se dele, não alimentar tal desejo ardente”. A quarta e última verdade, sobre a senda que leva à eliminação da tristeza diz: “na verdade, esta nobre Senta Óctupla, isto é, conceitos correctos, aspirações correctas, linguagem correcta, conduta correcta, vida correcta, contemplação correcta”. A Senta Óctupla abrange, num sentido correcto, a compreensão, o pensamento, palavra, a acção, o modo de vida, o esforço, a atenção e a concentração.
Desde a sua origem, o Budismo imbuiu-se de elementos éticos, filosóficos e religiosos. Para se compreender a extensão deste sistema é necessário que se conheça a literatura canónica do Budismo, que se divide em três colecções: o cânone Páli, cânone sino-japonês e o cânone tibetano.
Pode sintetizar-se os fundamentos da doutrina do Budismo original na fórmula do Tríplice Refúgio que se encontra nas camadas mais antigas do cânone e ocupam um lugar de destaque em todas as liturgias budistas. Recitando esta fórmula – procuro refúgio no Buda. Procuro refúgio no dharma. Procuro refúgio no samgha – a pessoa ingressa na comunhão dos discípulos de Buda. Teoricamente, o refúgio junto ao dharma devia ser primordial. Desta forma, Buda lembrou “Procurem o dharma como o vosso refúgio e não procurem nenhum outro socorro.”
O Budismo ensina o caminho à bondade e à sabedoria perfeitas sem um Deus pessoal. Esta é a sua grande mensagem.
Susana Lopes

O pensamento de John Stuart-Mill – Utilitarismo

John Stuart-Mill nasceu em 1806 em Londres, em plena fase de industrialização da Inglaterra, no dia 20 de Maio de 1806 e morreu em 1873 na cidade de Avinhão (França) a 8 de Maio.
Em 1859 é publicada a obra Sobre a liberdade e em 1863 Stuart-Mill publica a obra Utilitarismo.
O utilitarismo é o tipo mais conhecido da teoria consequencialista. O utilitarismo baseia-se na crença de que o objectivo de toda a actividade humana é (num dado sentido) a felicidade.
Um utilitarista define o bem como aquilo que é capaz de trazer maior felicidade global. Isto é, por vezes, conhecido como princípio da maior felicidade ou princípio da utilidade. Para um utilitarista, a boa acção pode ser calculada, em quaisquer circunstâncias, examinando as consequências prováveis de cada acção. Uma acção é considerada boa quando tem mais probabilidade de trazer maior felicidade nas circunstâncias em causa.
O utilitarismo tem de lidar com as consequências prováveis, porque normalmente é extremamente difícil, se não mesmo impossível, prever os resultados possíveis de cada acção.
Maximize-se a felicidade. Esta curta frase espelha toda a teoria defendida pelos utilitaristas. John Stuart-Mill é o mais famoso filósofo utilitarista. Na sua obra Utilitarismo desenvolve e aperfeiçoa a versão mais incipiente da teoria, que tinha sido proposta por Jeremy Bentham (1748 – 1842).
A felicidade, segundo Stuart-Mill, é procurada como um fim em si mesma, uma vez que o fim último de toda a actividade humana é a felicidade e tentar evitar a dor. Tudo o que é desejado é-o porque contribui para uma vida assim, feliz. Se alguém, por exemplo, apresentar argumentos contra Stuart-Mill, defendendo que procura a virtude como um fim em si mesma, independentemente de qualquer felicidade que dela possa derivar, Stuart-Mill responde que a virtude constitui, nesse caso, um dos ingredientes da sua vida feliz, tornando-se parte integrante da felicidade dessa pessoa.
O princípio da maior felicidade defende que o fim ou propósito de toda a vida humana é a procura da felicidade e tentar evitar a dor, as únicas coisas desejáveis enquanto fins, sendo que tudo o resto que se deseja desejável enquanto meio para atingir aqueles fins. Por utilidade Stuart-Mill entende aquilo que significa felicidade e não proveito. Se uma acção aumenta a utilidade, tal significa apenas que aumenta a felicidade.
Susana Lopes

A ciência em Karl Popper.

Popper nasce em Viena de Áustria em 1902. Além da Filosofia, estudou Matemática, Física, Música e Psicologia. De entre as obras do autor é de salientar A Lógica da Pesquisa Científica (1935), obra que o celebrizou e na qual apresenta uma forte crítica ao critério da verificabilidade, bem como Conjecturas e Refutações (1962) e Conhecimento Objectivo (1972).
Podemos considerar que o ponto de partida da filosofia da ciência de Popper é o problema da demarcação: Popper considera importante diferenciar as verdadeiras teorias científicas de todas as outras teorias consideradas científicas. Assim, Popper denomina "problema de demarcação o problema de estabelecer um critério que nos habilite a distinguir entre as ciências empíricas, de uma parte, e a Matemática e a Lógica, bem como os sistemas “metafísicos”, de outra" (Popper, Karl; A Lógica da Pesquisa Científica, Editora Cultrix, São Paulo, s.d.).
Assim, há a necessidade de criar um critério de cientificidade que demarque apropriadamente as teorias científicas das que não têm estatuto científico. Popper rejeita o critério da verificabilidade enquanto resposta para este problema. Este critério foi defendido pelos positivistas lógicos e consistia no seguinte: uma teoria é considerada científica se consiste em afirmações empiricamente verificáveis. O seu valor de verdade é estabelecido pela observação (método indutivo - a observação é o ponto de partida e a base de confirmação para uma teoria científica). Popper rejeita este critério porque pensa que não é possível estabelecer a verdade das leis da natureza através da observação. Assim, o critério positivista torna-se insatisfatório enquanto critério de cientificidade.
Popper propõe, então, o critério da falsificabilidade. Este é o seu critério de cientificidade: Uma teoria é falsificável se é possível mostrar que ela é falsa recorrendo à observação. Segundo Popper, as teorias científicas estão sempre abertas à possibilidade de refutação. Uma teoria genuinamente cientifica é aquela que pode ser testada pela experiência e que será refutada se os testes não lhe forem favoráveis. Como funciona este critério?
Para o colocar em prática Popper explica-nos como funciona o método das conjecturas e refutações. Ao contrário do método indutivista que partia da observação, Popper afirma que os problemas são o ponto de partida da investigação científica. Quando um investigador observa o mundo, fá-lo de um modo selectivo, prestando atenção apenas ao que é relevante para resolver os problemas que motivam a sua investigação. É importante realçar que estes problemas surgem de teorias anteriormente aceites pelo investigador. Depois da observação, o investigador elabora teorias mediante um processo de criação de conjecturas, isto é, hipóteses sugestivas. Para Popper são conjecturas ousadas, pois têm um grau de falsificabilidade elevado.
Isto é, o que determina que uma teoria científica é de maior ou menor grau de falsificabilidade é o seu conteúdo empírico, isto é, a informação que a proposição nos dá sobre o mundo. Quanto mais é o grau de falsificabilidade de uma teoria, maior é o seu conteúdo empírico, mais informativa é. É desejável que uma teoria nos dê muita informação sobre o mundo da experiência, por isso é também desejável que uma teoria seja falsificável num grau elevado. Por fim, depois de a teoria ter sido elaborada é importante tentar refutá-la ou falsificá-la. Entra aqui o critério da falsificabilidade.
É preciso colocar as hipóteses à prova para ver se resistem às tentativas de refutação. Para isso é necessário produzir, a partir das hipóteses, previsões empíricas (através da observação e da experiência. Aqui a observação serve não para confirmar mas para refutar):
Se as previsões forem incorrectas – a teoria é refutada. Se as previsões forem correctas? Tudo o que podemos dizer, segundo Popper é que, até ao momento a teoria não foi refutada, pelo que talvez seja verdadeira. Não podemos dizer que é confirmada pela experiência porque o autor pensa que as hipóteses científicas não admitem qualquer verificação empírica. Assim, uma teoria que superou todas as tentativas de refutação está corroborada pela experiência, significando que teve um bom desempenho no passado, mas que nada nos pode dizer sobre o futuro. Além disso, a corroboração não quer dizer que a investigação tenha chegado ao fim. A nova teoria suscita novos problemas, geralmente mais profundos, que requerem novas conjecturas e tentativas de refutação.
Para Popper, o objectivo da ciência é encontrar teorias verdadeiras, apesar de defender que as teorias científicas são aquelas que podem ser falsificadas pela experiência. A ciência progride em direcção á verdade por tentativa e erro, ou seja, pela formulação de teorias conjecturais e pela eliminação das teorias que são refutadas. Com as teorias corroboradas não podemos dizer que alcançamos a verdade, mas na medida em que as teorias científicas são descrições da realidade, ainda que imperfeitas, nós vamo-nos aproximando da verdade, obtendo uma imagem cada vez mais correcta da realidade.
Lurdes Santos

O pensamento de Newton.

Isaac Newton (1643-1727), cientista inglês, é reconhecido como físico e matemático. A obra mais importante do físico intitula-se Philosophiae naturalis principia mathematica (Princípios Matemáticos da Filosofia Natural) (1687), obra em que estão expostos os princípios fundamentais da Mecânica (são descritas as três leis do movimento, conhecidas como as Leis de Newton e onde é demonstrada a Lei da Gravitação Universal). Para além desta, Newton também publica Óptica (1704). Utilizando a experiência realizada anteriormente, com um prisma, Newton chegou à conclusão que a luz branca era decomposta pelas cores espectro. Essas cores, definidas como primárias, fundamentais ou originais, distinguiam-se pelo diferente ângulo de refracção dos respectivos raios.
Em relação à física de Newton, para chegar às três definições, o físico começou por distinguir dois conceitos: massa e peso. A massa representa a medida da quantidade de matéria que constitui um determinado objecto, enquanto o peso não é senão a força que a gravidade exerce sobre a massa do mesmo objecto. Quanto maior é a massa de um corpo, maior é a força necessária para modificar o seu movimento, quer para o acelerar, quer para o abrandar.
É importante referir que não foi Newton a iniciar o estudo das leis de gravidade. Um jovem astrónomo alemão, Johannes Kepler (1571-1630) estabeleceu de forma definitiva o modo como os planetas se movem à volta do Sol. Kepler herdou os registos do seu mestre, Tycho Brahe (1546-1601), astrónomo dinamarquês, que lhe permitiram enunciar as três leis que explicam o movimento planetário: Os planetas descrevem órbitas elípticas; a linha que liga um planeta ao Sol descreve áreas iguais em tempos iguais (lei das áreas); Os quadrados dos períodos de revolução são proporcionais aos cubos das distâncias médias do Sol aos planetas.
Em 1589, depois de um árduo estudo das posições dos planetas do sistema solar, o astrónomo elaborou as leis que representavam esses movimentos – são as chamadas leis de Kepler. Seguindo este raciocínio, Newton conseguiu elaborar a teoria que dizia que todos os corpos que possuíam massa sofreriam uma atracção mútua entre eles. É a Lei da Gravitação Universal, iniciada com Kepler e concluída com Newton.
Newton começa por elaborar as três leis que explicam vários dos resultados observados sobre o movimento dos objectos físicos. Assim, a primeira lei identifica-se com a lei da inércia: “cada corpo mantém o seu estado de repouso ou de movimento rectilíneo uniforme, excepto se for obrigado a mudar aquele estado por forças externas”. A segunda é a lei do princípio fundamental da mecânica: “a alteração de movimento é proporcional à força motriz imprimida e dá-se ao longo da linha recta segundo a qual a força foi imprimida”. E a terceira é a lei da acção e reacção: “a cada acção corresponde uma reacção igual e contrária”. (leis descritas em, Stefani, Marta; História da Ciência e da Tecnologia – A Revolução Científica, volume 21, Hiperlivro, Matosinhos, 2002, pág. 83).
A partir da formulação destas leis, e seguindo o raciocínio de Galileu e Kepler, Newton parte para o encontro da quarta lei: A Lei da Gravitação Universal. Com esta lei, Newton explica a importância da gravidade, sendo que esta é a força de atracção mútua que os corpos materiais exercem uns sobre os outros. Com esta Lei, Newton explica o movimento dos planetas à volta do Sol, bem como de qualquer movimento da queda de corpos na Terra.
Dizem que Newton chegou à formulação desta lei quando, na contemplação da Lua, foi interrompido pela queda de uma maçã da árvore. Ao reflectir sobre o que tinha acabado de acontecer, e comparando a Lua com a maçã, o físico chegou à formulação da lei da gravitação universal.
Newton chega à conclusão que todos os corpos dotados de massa se atraem reciprocamente. A gravidade é uma força atractiva que varia não só com a distância, mas também com o quadrado da distância. Na análise do movimento dos outros planetas, Newton verifica que a força também se exerce desta maneira. A gravidade é universal, ela está presente em toda a matéria existente.
A força segundo a qual dois corpos se atraem é igual ao produto das suas massas, dividido pelo quadrado da distância entre eles multiplicado por uma constante, chamada constante de gravitação universal. O nosso peso é o resultado desta força.
Lurdes Santos

O conhecimento em David Hume.

David Hume nasce em 1711 em Edimburgo, na Escócia e morre na mesma cidade no ano de 1776. De entre as obras do autor é de salientar o Tratado sobre a Natureza Humana, publicado em 1739-40, e Investigação sobre o Entendimento Humano publicado em 1748.
O estudo do pensamento de Hume pode iniciar-se com as noções de impressão e ideia. Segundo a sua teoria todo o nosso conhecimento é empírico, sensível. Os seus elementos fundamentais são as impressões e as ideias; as duas espécies de percepções. As impressões referem-se às sensações externas. As ideias são as percepções que constituem o nosso pensamento. Hume distingue-as pelo grau de intensidade com que atingem o nosso espírito. Assim, as impressões são todas as sensações externas que sentimos, quer as desejemos ou não. Por outro lado, as ideias sendo as percepções que constituem o nosso pensamento, são as imagens (enfraquecidas) das impressões. As ideias nunca podem alcançar a força da impressão, pois são cópias da impressão.
Por isso, David Hume defende que todas as nossas ideias têm uma origem empírica: se todas as ideias que surgem no nosso pensamento são cópias do que percepcionamos, então nada existe previamente no pensamento. Rejeita, portanto, a existência de ideias inatas, teoria defendida por Descartes.
Surge então um problema: o que podemos dizer das ideias que não correspondem a qualquer impressão que tenhamos tido? Hume insere aqui a diferença entre ideias simples e ideias complexas: ainda que todas as nossas ideias simples sejam cópias directas de impressões, o nosso pensamento combina imaginativamente essas ideias de modo a formar ideias mais complexas. “É evidente que existe um princípio de conexão entre os diferentes pensamentos ou ideias da mente e que, no seu aparecimento à memória ou à imaginação, se apresentam umas às outras com um certo grau de método e regularidade.” (Hume, David; Investigação sobre o entendimento humano, Lisboa, Edições 70, Textos Filosóficos, Outubro 2004, pág. 29)
Para explicar a relação de ideias, Hume propõe três princípios: a semelhança – quando objectos se assemelham um ao outro, então o pensamento acerca de um deles conduz, naturalmente, a pensamentos acerca do outro; a contiguidade no espaço e no tempo – se dois objectos são próximos no espaço e no tempo, isto é, se ocorrem juntos um do outro, então de forma análoga, a ideia de um levará à ideia de outro; a causa e efeito – ao pensarmos numa ferida, dificilmente nos abstemos da dor que a mesma provoca.
No entanto, apesar de Hume nos demonstrar a associação de ideias através destes três princípios, encontramos ideias simples que não se relacionam com nenhuma realidade de facto. O raciocínio é considerado uma descoberta de relações, umas entre factos, outras entre relações. Nas questões de facto conhecemos verdades contingentes, isto é, provenientes da experiência, enquanto nas relações de ideias podemos conhecer verdades necessárias, isto é, temos conhecimento a priori mas este é, de certo modo, vazio: nada ficamos a saber sobre o mundo. Nestas relações inserem-se as “ciências da Geometria, Álgebra e Aritmética e, em suma, toda a afirmação que é intuitiva e demonstrativamente certa”. (Hume, David; Investigação sobre o entendimento humano, Lisboa, Edições 70, Textos Filosóficos, Outubro 2004, pág. 31). As proposições destas ciências podem-se descobrir por uma pura operação do pensamento e a negação delas é impossível porque implica contradição (ao pensarmos que três vezes cinco é igual a trinta, sabemos que metade de trinta é quinze. Se afirmarmos o contrário estamos a contradizer-nos, a afirmar algo que logicamente é impossível. Nas relações de ideias encontramos verdades necessariamente verdadeiras).
Por outro lado, todos os raciocínios que se referem a acontecimentos ou factos são a posteriori, isto é, baseia-se naquilo que estamos a sentir ou observar. Além disso, o que exprimem dizem respeito àquilo que existe efectivamente no mundo. Ao contrário das relações de ideias, aqui podemos conceber o seu contrário: ao afirmarmos que o Sol não vai nascer amanhã, afirma-se algo que é logicamente possível, apesar de parecer muito improvável que tal aconteça. Além disso, tudo o que estas relações de facto exprimem funda-se na relação causa e efeito – a relação da causalidade.
Como descobrimos as causas e os efeitos daquilo que observamos? Hume afirma que não podemos descobrir a priori, isto é, através do pensamento que certos aspectos ou acontecimentos causam outros objectos ou acontecimentos. A resposta à questão anterior é que o nosso conhecimento das relações causais baseia-se na experiência.
Hume afirma, ainda, que os objectos ou acontecimentos entre os quais se verifica uma relação causal são completamente distintos. Assim, se não tivermos o auxílio da experiência, nunca poderemos descobrir que efeito terá um certo objecto/acontecimento, nem que causa o produziu. David Hume explica-nos que o Homem, ao chegar ao mundo com uma grande capacidade de raciocínio, mas sem qualquer experiência, não conseguiria fazer inferências causais – seria incapaz de descobrir as causas e os efeitos do que estivesse a observar. Apenas podemos afirmar que a causalidade é uma conexão necessária entre a causa e o efeito.
Que podemos dizer, então, quando afirmamos que existe uma relação causal entre certos objectos ou acontecimentos? Hume diz-nos: a causalidade consiste apenas numa conjunção constante entre géneros de acontecimentos ou de aspectos observáveis.
As relações causais consistem em meras regularidades observáveis. Aquilo que é essencial numa relação causal é a existência de uma conexão necessária entre causa e efeito.
Mas como surge a ideia de que existe uma ligação necessária entre causa e efeito? A ideia de conexão necessária resulta de um sentimento interno adquirido pelo hábito. A impressão da qual deriva a ideia de conexão necessária é a expectativa do efeito quando a causa se apresenta. A necessidade é uma impressão interna da mente, o que leva o nosso pensamento de um objecto para outro.
Lurdes Santos

O conhecimento em René Descartes.

A filosofia de Descartes assenta numa concepção unitária do saber fundada na razão. A sabedoria é única, porque a razão é única, e só ela nos permite distinguir o verdadeiro do falso, o conveniente do inconveniente. Com o objectivo de criar um fundamento seguro para a filosofia, desenvolve um método de dúvida radical, que constitui a base da sua filosofia. Este método surge como resposta ao ambiente de incerteza do seu próprio tempo. Com ele empreende um enorme trabalho de reconstrução de todo o saber que é deduzido a partir de certezas indubitáveis. Após ter posto em causa todo o saber adquirido pela experiência, chega à primeira certeza indubitável: a da sua existência como ser pensante ("Penso, logo existo"). É com base nesta evidência que irá desenvolver uma ciência universal.
Descartes vai falar do argumento céptico da regressão infinita e teremos então maneira de saber se sabemos alguma coisa. O céptico defende que não. O problema pode parecer estranho; e, se o problema pode parecer estranho, a resposta céptica pode parecê-lo ainda mais. Muitas vezes temos boas razões para duvidar de que saibamos certas coisas. Há, todavia, outras coisas de que nos parece difícil duvidar seriamente. Mas o céptico pensa ter um bom argumento. O seu argumento pode ser formulado do seguinte modo: se há conhecimento, então as nossas crenças estão justificadas; mas as nossas crenças não estão justificadas; logo, não há conhecimento.
Ora, este argumento se for sólido, teremos de aceitar a sua conclusão; se não queremos aceitar a sua conclusão, teremos de mostrar que não é sólido. Então mas por que razão deverá preocupar-nos com a conclusão céptica? Porque não poderemos aceitá-la, ainda que com uma reserva sorridente — e passar tranquilamente adiante? Essa é uma possibilidade. O que há de insatisfatório com ela é que, se a aceitamos, dificilmente haverá um adiante a que passar. Muitos filósofos pensam que a conclusão céptica é inaceitável; e que temos, por conseguinte, boas razões para nos ocuparmos dela. Se isso é verdade, então temos de regressar ao argumento céptico e procurar determinar o que há de errado com ele. Será o argumento céptico um argumento sólido? Válido, é; se é válido, então será sólido na circunstância em que todas as suas premissas são verdadeiras. E serão?
A primeira premissa parece indisputável; isto porque não parece possível haver conhecimento sem justificação. Mas a segunda premissa não parece tão evidentemente verdadeira; e isto porque não é óbvio que as nossas crenças — ou, ao menos, algumas delas — não estejam justificadas. Se o céptico pretende que o seu argumento é sólido, então deverá defender a sua segunda premissa.
O argumento céptico da regressão infinita procura fazê-lo. Este argumento pode ser formulado do seguinte modo: todas as nossas crenças são justificadas com outras crenças; se todas as nossas crenças são justificadas com outras crenças, então há uma regressão infinita; se há uma regressão infinita, então as nossas crenças não estão justificadas; se as nossas crenças não estão justificadas, então não há conhecimento; logo, não há conhecimento.
Ora, este argumento é válido; logo, e mais uma vez, se não queremos aceitar a sua conclusão, teremos de mostrar que pelo menos uma das suas premissas é falsa. Mas será? E, se for, qual? - Quanto ao argumento céptico da regressão infinita, Descartes procura responder-lhe mostrando que a sua primeira premissa é falsa; isto é, mostrando que não é verdade que todas as nossas crenças são justificadas com outras crenças. Mas esse não é o seu principal problema; a Descartes não parece satisfatório mostrar que o céptico pode estar errado: ele pretende mostrar que o céptico está, efectivamente, errado. O seu principal problema pode ser formulado do seguinte modo: "como poderemos garantir que o nosso conhecimento é absolutamente seguro?"
Tal como os cépticos, Descartes parte da dúvida; mas, ao contrário dos cépticos, não permanece nela. A dúvida cartesiana é muito especial, por diversas razões. A primeira é que Descartes não duvida por duvidar: ele duvida porque procura um conhecimento absolutamente seguro; isto é, um conhecimento que resista à dúvida mais obstinada, um conhecimento do qual não haja razões para duvidar. Por isso se diz que a dúvida cartesiana é metódica: é um método para encontrar o conhecimento absolutamente seguro que Descartes procura.
Mas, se o que se procura é um conhecimento absolutamente seguro, então é necessário começar por duvidar de tudo o que simplesmente possa parecer duvidoso; é necessário explorar todas as possibilidades de erro, mesmo as mais remotas; isto porque resistir à dúvida é uma condição necessária para o tipo de conhecimento que procuramos. Claro que isto é um exagero: na maior parte do tempo, não temos razões para duvidar da maior parte das coisas. Por esta razão dizemos que a dúvida cartesiana é hiperbólica. Na maior parte do tempo, por exemplo, acreditamos nos nossos sentidos. Mas, pensa Descartes, os nossos sentidos, por vezes, enganam-nos; ora, se os nossos sentidos nos enganam, ainda que apenas por vezes, então o melhor é não acreditarmos neles nunca; isto porque, como diz, é prudente não confiar em quem nos engana, nem que seja uma só vez. Mas também a razão, na qual acreditamos na maior parte do tempo, nos engana por vezes, mesmo nos cálculos mais simples; por isso, devemos também desconfiar da razão. Por examinar cuidadosamente todas as possíveis fontes de erro se diz que a dúvida cartesiana é sistemática.
O génio maligno que surge depois nas Meditações, é uma possibilidade muito remota; mas é uma possibilidade; logo, não podemos deixar de considerá-la. Mas quem é este génio maligno? - Este génio maligno é uma espécie de deus; é génio, porque os seus poderes são, supostamente, superiores aos poderes humanos; mas, por ser maligno, não pode ser o verdadeiro Deus, uma vez que Este é bom (ocupar-nos-emos da justificação desta crença mais adiante). Este génio maligno tem uma obsessão: enganar-me. É ele que me induz a acreditar que tenho duas mãos, que tenho um corpo, que há uma realidade exterior a mim, ou que 2 + 3 são 5. Mas tudo isto pode ser falso. Todos os meus pensamentos podem ser mero produto da acção maligna deste génio.
Isto não é tão implausível quanto pode parecer. De facto, é como supor que se vive permanentemente numa realidade virtual. Pode, inclusivamente, suceder que eu esteja enganado quanto ao meu corpo; talvez o meu corpo não seja aquilo que os meus olhos me dizem que ele é; talvez eu não tenha sequer um corpo — nem, se isso é verdade, olhos que me digam como ele é. Talvez eu não seja senão um cérebro numa cuba, que um cientista perverso se entretém a estimular, de maneira que eu pense os pensamentos e tenha as sensações que ele quer que eu pense e tenha.
No itinerário cartesiano Descartes encontra-se aqui aparentemente imerso num oceano de dúvidas: os sentidos, diz, enganam-me, a razão engana-me e, para complicar tudo, pode suceder que um génio maligno não faça senão enganar-me. Parece que a única certeza que tenho é de que duvido. Mas diz Descartes, "notei que, enquanto assim queria pensar que tudo era falso, eu, que assim o pensava, necessariamente era alguma coisa. E notando que esta verdade — eu penso, logo existo, era tão firme e tão certa que todas as extravagantes suposições dos cépticos seriam impotentes para a abalar, julguei que a podia aceitar, sem escrúpulo, para primeiro princípio da filosofia que procurava" (Descartes, Discurso do Método, Lisboa, Sá da Costa, 1982, p. 28). E, mesmo que um génio maligno persista em enganar-me, é, ainda assim, necessário que eu exista para ser enganado. Mas existe algo do qual jamais posso duvidar a minha existência. Surgindo assim o cogito; "penso, logo existo". O cogito, como ficou conhecida esta crença, parece uma crença básica, uma crença que não se infere de coisa alguma. O cogito é uma intuição racional, uma evidência. Como seria possível duvidar dele? Se não é possível duvidar dele, então é o tipo de conhecimento que procuramos: resistente à dúvida.
A primeira premissa do argumento céptico da regressão infinita parece, pois, definitivamente falsa. Afinal, nem todas as nossas crenças são justificadas com outras crenças; isto porque encontrámos uma que, aparentemente, não tem necessidade de qualquer outra que a justifique. E melhor ainda é que é possível encontrar mais conhecimentos deste tipo. Basta ver o que há no "penso, logo existo" que o torna indubitavelmente verdadeiro. E o que há aí, pensa Descartes, é isto: é que "vejo muito claramente que, para pensar, é preciso existir" (Descartes, Discurso do Método, Lisboa, Sá da Costa, 1982, p. 28). Se isto é verdade, então o que quer que eu possa conhecer muito claramente — e, já agora, também muito distintamente — será verdadeiro.
Mas parece faltar um fundamento mais sólido a este conhecimento. Com efeito, do facto de eu ver clara e distintamente que, dado um triângulo, é necessário que a soma dos seus ângulos internos seja igual a dois ângulos rectos, ainda não se segue que haja no mundo qualquer triângulo. Como posso saber que não estou a alucinar ao pensar que existem triângulos? Na ausência de um fundamento mais sólido para o conhecimento, nenhuma razão temos para acreditar que, por mais claras e distintas que as nossas ideias sejam, elas tenham a perfeição de serem verdadeiras (Ver Descartes, Discurso do Método, Lisboa, Sá da Costa, 1982, p. 33).
Sei que penso, e existo; mas, por vezes, duvido, e engano-me; logo, não sou perfeito. No entanto, tenho a ideia de perfeição; caso contrário, como poderia pensar que não sou perfeito? Mas de onde me chegou a ideia de perfeição? Ou a ideia de perfeição foi criada por mim, ou a recebi do mundo exterior, ou me chegou de outro sítio qualquer. Mas a ideia de perfeição não pode ter sido criada por mim; isto porque não sou perfeito, e o imperfeito não pode criar o perfeito. Pela mesma razão, não a recebi do mundo exterior, uma vez que no mundo exterior nada parece haver mais perfeito do que eu mesmo. Logo, a ideia de perfeição só pode ter sido posta em mim por um ser absolutamente perfeito: Deus, para tudo dizer numa palavra (Ver Descartes, Discurso do Método, Lisboa, Sá da Costa, 1982, p. 29).
Mas poderemos estar seguros de que Deus existe? - Descartes pensa que sim. Isto porque, diz, um ser absolutamente perfeito é um ser que tem todas as perfeições; se não tiver todas as perfeições, então não será absolutamente perfeito. Ora, a existência é uma perfeição; isto porque de uma coisa que não existe dificilmente se pode dizer que é perfeita. Mais perfeita do que a casa dos meus sonhos é a casa dos meus sonhos tornada realidade. Logo, se Deus é um ser absolutamente perfeito, então necessariamente existe. E Deus é um ser absolutamente perfeito. Logo, Deus existe necessariamente. E se Deus existe e é perfeito, então não pode querer que eu esteja enganado acerca da existência do mundo ou das leis da natureza que Ele mesmo criou; isto porque, se o fizesse, não seria bom, e a bondade é uma perfeição; logo, o mundo existe, e eu posso conhecê-lo. "Na verdade, diz Descartes, aquilo mesmo que há pouco adoptei como regra, isto é, que são inteiramente verdadeiras as coisas que concebemos muito clara e distintamente, não é certo senão porque Deus é ou existe, ser perfeito de que nos vem tudo o que em nós existe. Donde se segue que as nossas ideias ou noções, coisas reais que provêm de Deus, não podem deixar de ser verdadeiras na medida em que são claras e distintas" (Descartes, Discurso do Método, Lisboa, Sá da Costa, 1982, p. 32). Assim, Deus parece ser o fundamento de que Descartes carecia para alicerçar convenientemente o conhecimento sem erro que procurava. Descartes parece ter finalmente encontrado o seu rochedo, no meio de um mar de dúvidas. Mas terá ele resolvido o problema?
Rute Ribeiro

O pensamento político de John Rawls

John Rawls nasce a 21 de Fevereiro de 1921 e morre em 24 de Novembro de 2002. Foi professor de Filosofia política na Universidade de Harvard: Autor de Uma Teoria da Justiça de 1971, Liberalismo Político de 1993 e O Direito dos Povos de 1999.
A teoria política de Rawls fundamenta-se na prioridade do justo sobre o bem. Isto quer dizer que as liberdades individuais, embora prioritárias, devem ser complementares aos anseios por igualdade e que os princípios da justiça têm de ser independentes de qualquer concepção particular de vida boa.
O liberalismo político defendido por Rawls apresenta-se como uma crítica ao utilitarismo. De acordo com esta teoria, a justiça de uma acção mede-se pela utilidade que ela causou ou possa causar e não pela sua intenção. Analogamente uma sociedade é tanto melhor quanto mais bens ao maior número ela oferece. Rawls parte de uma concepção global de justiça que se baseia na ideia de que todos os bens sociais primários tais como liberdades, oportunidades, riqueza e as bases sociais da auto-estima devem ser distribuídos de maneira igual a menos que uma distribuição desigual de alguns ou de todos estes bens beneficie os menos favorecidos. Rawls vê a natureza humana do mesmo modo de Kant. Para Rawls, o Homem é um fim em si mesmo e jamais um meio, a dignidade humana é um carácter essencial e intrínseco a qualquer ser humano.
A teoria da justiça que formula apresenta-se apenas como uma das muitas possíveis. Ela está vocacionada para as democracias constitucionais e defende uma justiça imparcial e rigorosa, ou seja, equitativa.
Uma das grandes questões que Rawls coloca «Em que tipo de sociedade escolheria viver se não soubesse qual a posição que nela iria ocupar?» A obra de Rawls, Uma teoria da Justiça apresenta os princípios para se edificar uma sociedade justa e equitativa ao supor a resposta de uma pessoa razoável a esta questão. É absolutamente necessário colocar de parte todos os nossos interesses e desejos pessoais, preconceitos para que estes não influenciem e determinem a nossa resposta à pergunta que Rawls nos coloca. Qualquer decisão tomada mediante os nossos interesses e desejos particulares colocaria em risco a instituição de uma sociedade equilibrada, equitativa que se pautasse pela virtude maior que é, segundo Rawls, a justiça, “ (…) a justiça é a virtude primeira das instituições sociais, tal como a verdade o é para os sistemas de pensamento. (…) As leis ou instituições, não obstante o serem eficazes e bem concebidas, devem ser reformadas ou abolidas se forem injustas.”
Se tivéssemos que escolher os princípios que deveriam reger a melhor sociedade possível sem sermos influenciados pela nossa condição social, profissão, orientação sexual, entre outros, teríamos que conceber uma experiência mental, uma simulação de uma situação em que todos os factos da nossa identidade estariam ocultos por um véu de ignorância. Rawls chama a esta situação virtual de ignorância, posição original. Assumindo esta experiência mental (posição original) em que a nossa identidade esta encoberta por um véu de ignorância que nos permite estabelecer condições baseadas na equidade e imparcialidade, é possível estabelecer (pelo menos) dois princípios: princípio da liberdade e princípio da diferença (do qual se extrai um terceiro princípio, o da igualdade de oportunidades). Numa situação de posição original, todos nós, segundo Rawls, alcançamos um consenso no que respeita a estes princípios (chegando a um acordo original), na medida em que a tese central de Rawls sintetiza-se numa concepção geral de equidade que se apresenta deste modo: “Todos os bens sociais primários têm que ser distribuídos de um modo igual, a menos que uma distribuição desigual de um ou de todos estes bens resulte em benefício dos mais necessitados”. Assim, aceitando o primeiro princípio (princípio da liberdade) consideramos que a sociedade tem o dever de assegurar a máxima liberdade para cada pessoa compatível com uma liberdade igual para todos os outros. O segundo princípio (princípio da diferença) pressupõe duas condições: os maiores benefícios possíveis devem ser distribuídos aos mais desfavorecidos, devendo a sociedade promover a distribuição igual da riqueza, excepto se a existência de desigualdades económicas e sociais beneficiar os menos favorecidos, sendo este o princípio da maximização do mínimo; devem resultar do exercício de cargos e funções disponíveis para todos em condições de um igualdade equitativa de oportunidades (Princípio da igualdade de oportunidade). Rawls propõe um procedimento, ainda que ideal, que gira em torno dos seus três conceitos fundamentais: posição original, véu de ignorância e acordo original.
Carla Susana Lopes

O pensamento político de John Locke.

John Locke nasce em Wringtown a 29 de Agosto de 1632 e morre a 28 de Outubro de 1704 foi um filósofo predecessor do Iluminismo. Locke é apontado como o principal fundador do Liberalismo. Embora sendo profundamente religioso, opôs-se no entanto ao pensamento político religioso da época, defendendo ideias impopulares entre os eclesiásticos do seu tempo, como a separação da Igreja e do Estado, e a ideia de que os seres humanos não são súbditos naturais dos reis, mas antes seres livres que livremente escolhem associar-se e formar um governo. É também autor de Carta sobre a Tolerância (1689), Ensaio Sobre o Conhecimento Humano (1690), Dois Tratados sobre o Governo Civil (1690) e Pensamentos sobre a Educação (1692), defendeu uma política de tolerância religiosa e uma versão de essencialismo metafísico baseada em categorias naturais que antecipa alguns dos resultados filosóficos fundamentais do séc. XX. Estas ideias políticas estão, neste ponto, em consonância com as suas teses empiristas. Assim como não existem ideias inatas na mente, também não existe poder que se possa considerar inato e de origem divina, como defendiam os teóricos do absolutismo.
Tinha como noção de governo o consentimento dos governados diante da autoridade constituída, e o respeito ao direito natural do homem, de vida, liberdade e propriedade.
A filosofia de Locke está intimamente ligada à necessidade política de encontrar uma resposta para os graves conflitos políticos e religiosos que devastavam a Inglaterra no século XVII, respondendo à questão: Como devemos viver?
Locke parte da suposição que os homens no princípio dos tempos (estado-natureza) viviam em plena liberdade e igualdade entre si. Os homens, por conseguinte, nasciam livres, independentes e eram apenas governados pela sua própria razão. O único direito que reconhecem (o direito natural) é o que os proíbe de roubar ou destruir a vida, a liberdade e a propriedade de outros. Vendo a vantagem em se associarem para resolverem os seus conflitos de interesses e protegerem os seus direitos, estabelecerem um contrato social criando assim uma comunidade (sociedade organizada). Estes homens não eram nem maus (como afirmava Thomas Hobbes), nem bons (como defenderá depois Jean Jacques Rousseau), mas apenas seres susceptíveis de serem aperfeiçoados. A função do governo, neste quadro, limitava-se a garantir o respeito pelos direitos naturais (a vida, a liberdade e os bens) dos cidadãos.
Para Locke, o Estado (civil) é uma comunidade de homens constituída unicamente com o fim de conservar e promover os bens civis (a vida, a liberdade, a integridade do corpo e sua protecção contra a dor, propriedade. Tem o dever de assegurar a toda a comunidade e a cada súbdito, mediante as leis impostas igualmente:
» A boa conservação e a posse de todas as coisas que se relacionam com a vida;
» Deve reprimir com temor ou castigo todos aqueles que querem violar as leis;
» O poder civil limita-se apenas a conservar e promover esses bens;
O Estado deve agir separadamente da Igreja, propondo assim a edificação de um Estado laico.
É no segundo tratado da obra (Livro II), que Locke expõe a sua teoria política. O primeiro tratado, de tom polémico, empreende, ponto por ponto, a refutação do paternalismo de Robert Filmer baseado na Bíblia. Aí Locke rejeita que os princípios políticos sejam extraídos de passagens da Escritura, tal como Filmer defendia na obra Patriarcha e rejeita, a presunção de derivar das Escrituras a forma de governo mais recomendável, regras de vida ordenadas divinamente, e a família patriarcal enquanto modelo da vida política. Se o paternalismo de Filmer fundamentava a defesa da monarquia absoluta na ideia que os homens não são livres mas sim escravos, a refutação de tal tese no primeiro tratado permite fundar a limitação do poder dos governantes na liberdade e igualdade naturais dos seres humanos. No Segundo tratado propõe-se estabelecer "a origem, os limites e os fins verdadeiros do poder civil". O conjunto formado por ambos os tratados constituiu, na época, uma das mais fortes refutações da monarquia absoluta e legou à posteridade a concepção da exigência de subordinar a actividade dos governantes ao consentimento popular. Na filosofia política de Locke, os seres humanos apresentam-se como iguais por natureza e apenas o consentimento voluntário pode submeter alguém à autoridade de outro. Locke tornou-se um dos clássicos do liberalismo político, ao propor uma articulação de temas fundamentais: a igualdade natural dos homens, a defesa do regime representativo, a exigência de uma limitação da soberania baseada na defesa dos direitos subjectivos dos indivíduos. Os princípios fundamentais desta teorização incluem a liberdade natural e a igualdade dos seres humanos; o direito dos indivíduos à vida, liberdade e propriedade; o governo pelo consentimento; o governo limitado; a supremacia da lei; a separação dos poderes; a supremacia da sociedade sobre o governo; o direito à revolução. O princípio de governo pelo consentimento, com finalidade e poder limitados, é o fundamento do constitucionalismo liberal, sendo os dois Tratados considerados como a expressão clássica das ideias políticas liberais.
É interessante analisar o índice da obra Dois Tratados sobre o Governo Civil, na medida em que nos permite entender de uma forma global o seu conteúdo. A obra apresenta-se da seguinte forma:
Livro I: Primeiro Tratado.
I. A Introdução
II. Do poder paternal e régio
III. Do título de Adão à soberania por criação
IV. Do título de Adão à soberania por doação
V. Do título de Adão à soberania por sujeição de Eva
VI. Do título de Adão à soberania por paternidade
VII. Da paternidade e da propriedade consideradas conjuntamente como fontes da soberania
VIII. Da transmissão do poder monárquico soberano de Adão
IX. Da monarquia por herança de Adão
X. Do herdeiro do poder monárquico de Adão
XI. Quem é o herdeiro?
Livro II: Segundo Tratado
I. [ A introdução]
II. Do estado de natureza
III. Do estado de guerra
IV. Da escravatura
V. Da propriedade
VI. Do poder paternal
VII. Da sociedade política ou civil
VIII. Do princípio das sociedades políticas
IX. Dos fins da sociedade política e do governo
X. Das formas de uma comunidade política
XI. Da extensão do poder legislativo
XII. Dos poderes legislativo, executivo e federativo da comunidade política
XIII. Da subordinação dos poderes da comunidade política
XIV. Da prerrogativa
XV. Dos poderes paternal, político e despótico, considerados em conjunto
XVI. Da conquista
XVII. Da usurpação
XVIII. Da tirania
XIX. Da dissolução do governo
Carla Susana Lopes

A política em Aristóteles.

Aristóteles discípulo de Platão e mestre de Alexandre, O Grande, nasceu em Estagira no ano de 384 a. C.. Conservam-se alguns fragmentos dos seus escritos de juventude (diálogos de conteúdo e estilo platónico), bem como um número considerável de tratados completos cujo conjunto se denomina corpus aristotelicum. Os tratados mais importantes são dedicados a questões da lógica, de filosofia da natureza e biologia (os mais importantes deste grupo são a Física e Acerca da Alma), de ética (Ética a Nicómaco) e de política (Política). Escreveu também a Metafísica, obra dedicada a questões de Ontologia e Teologia, e a Física.
No que respeita à Política, a sua grande contribuição consistiu precisamente na sua insistência em que a natureza humana é essencialmente social. Perante certas teorias de origem sofística que consideravam a sociedade como um produto da convenção, Aristóteles defende que a sociabilidade é um traço essencial da natureza humana: O Estado é algo produzido pela natureza, e o Homem é por natureza um animal político. A cidade é a comunidade mais perfeita de várias aldeias que por assim dizer, têm como objectivo a suficiência e que derivou das necessidades da vida mas que agora existe para viver bem. Assim, as primeiras comunidades são cidade por natureza; porque a cidade é o fim delas, e a natureza é fim. Com efeito, chamamos natureza de cada coisa ao que cada uma é depois de ter nascido, quer falemos do Homem, do cavalo ou da casa. Além disso, o melhor é aquilo em função do qual existe algo e um fim, a suficiência é o melhor fim. Torna-se pois evidente que a cidade é uma das coisas naturais e que o Homem é por natureza um animal social; e quem é associal por natureza e não por acaso, ou é um Homem mau ou mais que Homem, como aquele que Homero repreende: «sem tribo, sem lei, sem lar», porque quem é assim por natureza é também adepto da guerra, como uma peça isolada nos jogos. (Política – I, 2,1252b-27-53 a 57). Assim, a vida em sociedade é impossível para os animais e desnecessária para Deus, que é auto-suficiente, aquele que não pode viver em sociedade ou não tem necessidade disso, porque é auto-suficiente, tem de ser um animal ou um deus (Política I, 2).
A vida comunitária ocorre em níveis distintos: na família, na aldeia e, por fim, no Estado. O Estado (polis) é a forma mais perfeita de comunidade e só nele o Homem pode alcançar a sua perfeição e viver numa vida plenamente humana. A sua finalidade é facilitar aos cidadãos da comunidade política, o desenvolvimento de uma vida virtuosa, além da possibilidade de uma vida digna e feliz. Estas condições são especificadas nas leis, particularmente no regime político assumido constitucionalmente.
A partir do cap.6 do Livro III é introduzido o exame dos tipos de ordem constitucional mediante uma nova definição de politeia: Um regime pode ser definido como a organização da cidade no que se refere a diversas magistraturas e, sobretudo, as magistraturas supremas; em qualquer cidade, o elemento supremo é o governo, e o governo é o próprio regime (1278b8-11).
A organização do Estado está de acordo com os possíveis tipos de vida. Os trabalhos inferiores de finalidade económica estão a cargo de escravos. A economia deve tender à forma autárquica, devendo a cidade bastar-se tanto quanto possível a si mesma (ideal grego de suficiência).
No que diz respeito à forma de regime ou constituição política, Aristóteles pensa que essa forma não tem de ser necessariamente única. Considera três formas puras de governo, regidas pelo interesse comum, são elas: Monarquia, Aristocracia e Regime Constitucional (semelhante à Democracia). A Monarquia é um regime de um só, normalmente um rei, cujo carácter e valor deste regime estão na unidade. A Aristocracia é o governo de poucos, cujo carácter e valor estão na qualidade. O Regime Constitucional é um regime em que muitos governam em vista ao interesse comum. Se tais governos têm como objectivo o bem comum, podemos dizer que são constituições correctas, logo defensáveis.
Por outro lado, se os poderes forem exercidos para satisfazer o interesse privado de um só, de um grupo ou de apenas uma classe social, essa constituição está desvirtuada, perverteu-se. Assim, associado a cada regime considerado virtuoso, Aristóteles apresenta três formas de governo consideradas degeneradas ou pervertidas. A Tirania que se caracteriza por ser um governo de um só homem que ascende ao poder por meios ilegais, violentos e ilegítimos e que governa pela intimidação, manipulação ou pela aberta repressão, infringindo constantemente as leis e a tradição. A Oligarquia, governo de um grupo economicamente poderoso que rege os destinos da cidade, procurando favorecer a facção que se encontra no poder em detrimento dos demais, ignorando assim o interesse e o bem comum. Por ultimo, a Demagogia que enquanto governo do povo, da maioria que exerce o poder favorecendo preferencialmente os pobres causando sistematicamente constrangimento aos mais ricos;
A visão ambiciosa de Aristóteles exige que a cidade seja mais do que uma associação fundada para a segurança e defesa e para a troca de bens. A cidade é uma comunidade de aldeias e de famílias, baseada na amizade entre seres humanos e a amizade apenas se alcança através da realização do supremo bem. A realização de acções dignas na cidade exige a participação dos indivíduos virtuosos; não é um luxo; é indispensável para contribuírem com as excelências de que a cidade carece.
Uma vez que não existe uma solução final dos conflitos sociais, as soluções possíveis assentam no estabelecimento de uma ordem justa. O que é justo beneficia a cidade e cada cidadão. A justiça é própria da cidade já que a justiça é a ordem da comunidade de cidadãos e consiste no discernimento do que é justo. (I, 2, 1253a35).
A justiça deve presidir e regular as relações sociais entre os membros da cidade, de modo a conferir fundamento e coesão e à vida social. A justiça política que é própria do homem em sociedade tem dois aspectos: a obediência às leis, às quais se deve ajustar a conduta dos cidadãos: e o critério de igualdade (isonomia) não para todos, senão para os iguais, já que a desigualdade parece justa, e é, com efeito, não para todos, senão para os desiguais (III, 9, 1280a2-14).
Tal como a natureza impulsiona os seres humanos a agruparem-se em comunidade, as leis fundamentais também possuem uma origem na natureza. A supremacia da lei resultante do tempo é fonte de força para a comunidade e de estabilidade da constituição. Por isso mesmo, é melhor ser governado por leis do que por homens, sempre sujeitos às paixões. (III, 15,1286a15).
Uma vez que, de acordo com os princípios desenvolvidos na Ética, a vida feliz decorre conforme à virtude, e a virtude é um justo meio, segue-se que a melhor vida é uma média que cada indivíduo possa atingir e o melhor regime deve reflectir esta mediania.
Tal regime que "melhor convém ao conjunto de todas as cidades" ajudaria a resolver o conflito social entre ricos e pobres (IV, 11 e 12). Em todas as cidades encontramos um estrato social com uma quantidade média de posses. Se acrescentarmos que a riqueza excessiva gera a insolência e a pobreza gera a criminalidade e malícia; e que a amizade apenas cresce entre os que são iguais em qualidades; estão reunidos todos os elementos para o legislador confiar na classe média como o bastião mais seguro da cidade. Mesmo que tenha de actuar num regime que não seja imediatamente favorável – oligárquico ou democrático – o legislador procurará favorecer a classe média.
Carla Susana Lopes.

A ética em Kant

Immanuel Kant (1724-1804) foi um célebre filósofo alemão, um dos mais importantes filósofos da época moderna europeia. As mais notáveis das suas obras são a Crítica da Razão Pura (sobre gnoseologia), a Crítica Razão Prática (sobre ética), e a Critica da Faculdade de Julgar (sobre estética).
Kant defende a existência de uma ética deontológica, uma ética do dever puramente formal, livre de qualquer conteúdo e independentemente da experiência. Sendo uma ética da intenção, apenas podemos avaliar moralmente as intenções com que as acções são praticadas e nunca as consequências das mesmas. Uma acção para ser avaliada moralmente tem de ser livre de qualquer constrangimento.
Só a boa vontade fundamenta o valor moral de uma acção. Uma vontade boa é uma vontade pura de qualquer determinação sensível, uma vontade desinteressada. Sendo portanto, o princípio do querer que torna a vontade boa, a moralidade é fundamentalmente uma questão de intenção. Mas o que é o querer? O querer não implica um projecto? Querer não será querer alguma coisa, a felicidade por exemplo?
O desejo de felicidade é natural no homem e este querer a felicidade torna a felicidade um princípio determinante da vontade. Este princípio enquanto inclinação natural presente em todos nós é subjectivo. Aquilo que nos torna felizes depende da diversidade das nossas necessidades e é diverso em diferentes sujeitos, por isso, não pode ser o princípio objectivo e universal válido para a vontade de todo o ser universal. Por outro lado se a felicidade fosse a verdadeira finalidade da natureza o instinto seria um princípio de determinação mais eficaz.
Kant pretendeu demonstrar que verdadeiramente moral é apenas a acção determinada pelo respeito pela forma da lei moral; só esta é o móbil da nossa vontade. Kant considera que as restrições e os obstáculos subjectivos longe de ocultarem o conceito de dever o põem em evidencia e pondo de parte as acções que são logo realizadas como contrárias ao dever examina algumas das acções que sendo realizadas em conformidade com o dever não são realizadas por dever, distinguindo legalidade de moralidade. Pode acontecer que, de facto, as nossas acções estejam materialmente conformes com o dever mas que nós as façamos por interesse.
"O comerciante que atende legalmente os seus clientes e não especula com os preços age de conformidade com o dever. Esta prática pode, ter em vista manter a clientela e o respeito pelo seu nome como comerciante. É em nome do seu bom-nome que o comerciante mantém uma prática honesta." (Kant, Metafísica dos costumes, Biblioteca filosófica, Coimbra, 1960, pp.15-37.
Neste caso Kant diz, o comerciante agiu unicamente em obediência ao dever, apenas agiu de acordo ou em conformidade com a lei permanecendo no pano da legalidade. A moralidade exige mais; exige que se actue unicamente por respeito à lei moral, por dever.
Agir moralmente é agir por dever, mas agir por dever não é o mesmo do que agir em conformidade com o dever. Kant distingue, assim, as acções por dever, das acções em conformidade ao dever e das acções contrárias ao dever.
As acções contrárias ao dever são todas aquelas que são erradas fazermos, como roubar, matar, mentir, etc. . São acções imorais e ilegais. Quando agimos em conformidade com o dever, fazemos aquilo que é correcto fazermos. Trata-se de uma acção legal mas pode não ser moral, por exemplo, não roubar no supermercado. Se a pessoa não o faz com medo de ser apanhada, a acção não é de todo moral. Se não roubar no supermercado porque é errado fazê-lo, independentemente das consequências, aí sim agiu por dever, ou seja, moralmente de forma correcta.
Se me encontrar em apuros será que poderei fazer uma promessa com a intenção de não a cumprir? Como posso saber com certeza se me é moralmente permitido fazer uma falsa promessa? - Kant diria «preciso só de perguntar a mim mesmo», se «ficaria satisfeito de ver a minha máxima (é ilícito fazer uma promessa falsa para sair de uma situação difícil) tornar-se lei universal (tanto para mim como para todos os outros).
Poderei dizer a mim mesmo: Toda a agente pode fazer uma promessa falsa quando se achar em dificuldade e não possa sair dessa dificuldade doutra maneira.» Facilmente reconheço que posso optar pela mentira mas não posso querer que a mentira se torne uma lei universal. Claro que a decisão de não mentir também pode resultar de uma prévia análise das consequências que o meu acto pode acarretar. Neste caso, a causa da determinação residirá nas consequências negativas e no prejuízo futuro que o meu acto poderá desencadear. Então estamos em presença de um acto legal mas não moral, realizado de acordo com o dever mas não por dever.
Rute Ribeiro